MEMÓRIAS DE UM ALCAIDENSE, DURANTE 14 ANOS E MEIO, PASSADOS EM ÁFRICA, GUINÉ-BISSAU.
DURANTE A GUERRA - NA TRANSIÇÃO PARA A INDEPENDÊNCIA -
DURANTE A MESMA E, 7 ANOS DEPOIS!
Dos 20 ao 62 - Qual a diferença?... |
O BOM - O MAU - O PÉSSIMO - O MUITO PÉSSIMO E, O TERRÍVELMENTE PÉSSIMO, relatado por quem lá esteve desde Maio de 1967 a Agosto de 1981.
Foi o 1º Cabo Amanuense nº 262/66 da Base Aérea nº 12 - Bissalanca - Bissau - Mário Serra de Oliveira.
Dia anterior de terminar a minha comissão. |
Antevisão: Do Alcaide a Lisboa - de Lisboa a Montegordo - de Montegordo a Viana do Castelo – de Viana do Castelo ao RI-7 de Leiria - do RI-7 á BA-3, Tancos – da BA-3 á BA-12, Bissalanca –Guiné.
Ali, finda a comissão de serviço – 19 meses e 10 dias – não regresso o Continente (como se dizia então, naquela época das colónias). Do serviço militar á vida civil, começando pelo primeiro trabalho como empregado, no Restaurante-Cervejaria “SOLMAR”, em Bissau - do Solmar ao Grande Hotel – do Grande Hotel ao restaurante “O PELICANO”, sendo encarregado neste último. Entretanto saio do Pelicano e abro por conta própria…O Ninho de Santa Luzia. Antes do 25 de Abril, comprei, por trespasse, o restaurante "A TABANCa". Depois do 25 de Abril compro a Casa Santos (cervejaria, churrasqueira, taberna e mercearia). Compro o Abel Moreira (taberna, mercearia e comércio misto). Sub-alugo o Zé D’Amura e Oásis (cervejarias e marisqueirs). Cada qual com a sua história.
Vem o dia da "Indepêncicia" e demais ramificações.
E, se bem que ainda tentei “navegar” no meio da nova política…acabei por encerrar tudo e começar uma nova etapa de trabalho, confrome descrição dada mais adiante.
Num resumo, em 1977, comecei pela Embaixada dos EUA em Bissau até 1981.
Depois, saio num Navio sismográfico Americano, até Inglaterra – Holanda (mar do Norte) – Lisboa – Bissau – Lisboa - Escócia (mar do Norte), Inglaterra novamente. Dali rumo até EUA onde arribei em finais de 1981.
Muitas histórias estão pelo meio mas, conforme é dito várias vezes, isto é só e somente um resumo.
Bem, após arribar nos EUA, regresso a Portugal a solicitar visto de permanência uma vez que, vindo em serviço do navio sismográfico, não tinha visto para permanecer nos EUA, legalmente. Deram-me uma carta e fui a Lisboa ao Consulado Americano para que me o dessem.
O mesmo foi-me negado pelo Consul Americano. Decido responder a um anúcio, e acabo por vir para na Embaixada de Portugal em Washington DC - nos EUA, juntamente com minha mulher. Saí por imcompatibilidade com os meus principios de liberdade…e por não aceitar “certa” prepotência”. Deitei amão a tudo, desde “catering”, jardinagem e condução, até que entro ao serviço da Embaixada da Alemanha em Washington DC., onde estive cerca de 20 anos, até atingir o limite de idade de reforma – a qual me foi negada pelo Governo Alemão.
(Sobre isto, longa história, que já fez correr tinta na imprensa e correr muito dinheiro para fora do meu bolso para pagar a advogados, cujo resultado ainda está por vir mas que – tenho a certeza, me sairá favorável).
Pelo dito, pode-se concluir-se que foi uma autêntica maratona de passagens e convivências que tentarei descrever noutra ocasião pois, conforme já disse, estas linhas são somente um relato resumido sobre as minhas experiências na Guiné e, claro, descrevendo mais ou menos como tudo começou.
14 ANOS E MEIO…NÃO SÃO DOIS DIAS!
Prezados leitores e leitoras!
O relato abreviado destas linhas, é dirigido a dois grupos de leitores.
1- Ás gentes da minha aldeia - o Alcaide, situado na encosta Norte da serra da Gardunha que poderão encontrar ali mesmo a "coçar" a barriga da mesma serra. Claro, para a gentes da minha terra, esta parte não interessa porque eles sabem muito bem isso.
2 - A Tertúlia de ex-militatres combatentes na Guerra Colonial - a todos em geral mas, como eu estive na Guiné, perdoem-me os ex-combatentes em Angola e Moçambique - é mais dirigido aos que realmente passaram pela Guiné. O respeito e reconhecimento, como cidadão e ex-camarada de armas, vai para todos, sem excepção alguma.
Tenho a certeza que todos irão compreender o eu concentrar a dedicação destas linhas ás gentes da minha aldeia - pelo facto de desconhecerem por completo, o que por detrás deste resumo poderá estar escondido - e aos ex-combatentes na Guiné, pelo facto de que, a maioria deles, chegou á Guiné, foi destacado para onde foi destacado, passou o que passou - e sabe-se lá pelo que passou para sobreviver - e, chegado o momento, terminou a sua comissão, regressando ao Continente - Portugal.
Ora, no meu caso não foi assim! Eu, terminada a minha comissão, decidi ficar lá.
Não por mais um ano! Nâo por mais dois...
mas, por mais cerca de 13 anos!
Deste modo, para todo aquele que só lá esteve dois anos - a maioria, diria eu - é mais que lógico e até humano estar curioso em saber como foi a "coisa", depois deles terem saído. E, quando digo "eles" é com todo o respeito e, mais precisamente estou-me a referir "como foi aquilo, depois dos militares portugueses, terem saído" ou, após a independência.Daí que, "A Tertulia" dos ex-combatentes na Guiné tivesse insistido comigo para que descrevesse como foi.
Eis aqui, caros camaradas ex-combatentes em geral, o porquê de me concentrar mais nos camaradas que combateram na Guiné. Mas, para que saibam, todos são bem vindos a ler estas páginas as quais dedico aos que já mencionei mas, em especial, EM HOMENAGEM a todo aquele que deu o sacrifício máximo - por uma causa, ainda hoje descutível a vários níveis - bem como a todos aqueles que, ainda hoje "carregam" resíduos físicos que os marcou para todaa a vida. TODOS ESSES, conjuntamente com todos aqueles que passaram "por elas" - algumas "quentinhas e boas(?)" - SÃO OS NOSSOS HERÓIS.
Agora, ás gentes da minha aldeia, é mais que lógico que, certas frases e certas referências a nomes de locais na Guiné, não lhes diga nada. Isso é mais que compreensível. Mas, tal como num filme onde, perante o enredo, nunca se sabe o que vem a seguir, leiam com atençao e, irão verificar que, no fundo, até vai valer apena.
Recordem-se que, muitos dos nossos conterrâneos estiveram lá na Guiné. E, um deles, ficou lá para sempre. Era filho de uma senhora que morava logo a seguir á estação do Alcaide, na direcção das Donas a qual, também tinha um filho mudo!
Creio que tinha algo a ver com o apelido "chorão" mas, por não ter a certeza, não quero afirmar. A pedido dela, quando um dia fui de férias a Portugal, visitei a campa dele (não sabia até ali) lá no cemitério de Bissau, junto ao Bairro da “Achada da Buirra”. Ela, por ser pobre, não pode transladar o corpo do filho. Lamento sinceramente porque, na minha opinião, os que têm “o engenho” de fomentar as guerras – justas ou injustas – deveriam de ter a responsabilidade de cumprir com o mais sagrado que um pai, ou uma mãe, pode desejar. O mínimo que se pode exigir aos “fomentadores das guerras” é oferecer aos familiares, a “desventurada ventura” de chorar siobre o caixão do seu “bem-querido” filho, filha, irmão, pai, mãe, marido ou mulher!
Bem, lamentando este facto e, voltando novamente aos alcaidenses que lá estiveram, ocorrem-me alguns nomes – mas há mais de certeza – tais como João Gertrudes, que me visitava enquanto eu estava na Messe de Oficiais da FAP, António Santos, Fernando Bispo, irmão do falecido Joaquim Bispo, cuja familia vivia na rua da tenda. José Agapito, "um Cavaca" que é das Donas mas vive no Alcaide, o falecido José Rolo e, assim de repente, não me recordo de mais. Mas houve de certeza! Claro, um deles o meu cunhado e amigo Fernando Carvalho.
Assim, começando pelo princípio, a minha estadia na Guiné foi:
Primeiro - de 17 Maio 67 a Dez. 68, como militar, na Messe Sargentos - primeiro - e de Oficiais da FAP logo de seguida, em Bissau.
Segundo: - Janeiro 69 a Agosto 81, como civil, no Café Restaurante Solmar, Grande Hotel, O Pelicano, O Ninho de Santa Luzia, A Tabanca, Casa Santos, Abel Moreira, José D’Amura e Oásis! E…finalmente, na embaixada dos EUA.
Nota: Creio ser conveniente esclarecer que, simultaneamente só fazia parte O Ninho, A Tabanca, A Casa Santos, Junto ao Ninho - O Abel Moreira logo a seguir á C.S. (na esquina da Estrada de Antula) Oásis e Zé D´Ámura - estes últimos dois, numa espécie de subaluguer, uma vez que o dono tinha ido a Portugal planear a abertura de uma casa em Matosinhos.
ÁS GENTES DA MINHA ALDEIA, TODOS ESTES NOMES ESTÃO RELACIONADOS COM CASA COMERCIAIS DO RAMO DE COMES E BEBES - MERCEARIAS E COMÉRCIO MISTO.
A História da Tabanca é descrita mais adiante e, a Casa Santos, foi-me oferecida por trespasse, quando o António Santos foi ameaçado de morte por um chofer de táxi africano, dentro do meu restaurante, O NINHO - que o acusou de ser “bufo da PIDE” e que,, por causa dele, tinha sido preso!...Isto, ainda antes da Independência. Ele desanimou e decidiu vender-me aquilo por “tuta e meia”!...
Agora, como menciono acima, isto é só e somente um resumo!
Estamos em dia de mobilizações – BA-3, Tancos.
Foi ali que tudo começou, após eu ter trocado com um camarada, no dia das mobilizações!
Sem alongar muito, eu não fui atingido e, como tal não fui mobilizado. Mas, nesse mesmo dia, caminhando por ali pensativo, encarei com um camarada, a chorar pela "querida mãezinha" dele - viúva - sendo ele o único filho. De facto - e não interessa agora dizer porquê - eu até queria ser mobilizado por motivos que explicarei noutra oportunidade, se assim o desejarem saber. Nada de especial mas era e foi um facto.
Ali, eu ofereci-me para trocar com ele! Ele não queria acreditar no que ouvia mas, depois de uma conversa a sério, lá conseguiu mudar o nome e o número na lista de mobilizações.
Desta forma, eu fui para a Guiné em Maio de 1967. Passei á "peluda" em Dez. de 1968 e fiquei a trabalhar lá na Guiné, No Solmar!. Posteriormente, uma longa história de altos e baixos, de fartura e miséria, rodeado de amigos e inimigos - alguns bem perigosos - mas que, pela minha indomável convicção da razão, consegui vencer todas as tramóias perpetradas contra mim.
Assim chegado á Guiné a 17 de Maio de 67 e, munido de uma carta de recomendação, dada pelo meu chefe – Tenente da secção de Justiça da BA-3- Tancos, e após a apresentação da praxe, pedi licença para me deslocar a Bissau onde se encontrava o destinatário da carta. Alferes Piloto Cró, locutor no programa das Forças Armadas.
Fresquinho ainda, autentico "periquito" acabado de chegar á Guiné, todo engravatado - conforme foto no início destas linhas - naquele calor insuportável, eu e outro camarada que também tinha chegado no mesmo dia...toca a palmilhar a distância até á cidade de Bissau, cerca de 12 quilómetros. Chegados ali cerca do mercado de Bandim – às entradas da cidade - a primeira coisa que fizemos foi tentar “afogar” a sede e, ao mesmo tempo, tentar minimizar o cheiro a catinga, que se fazia sentir.
Ali, chegamos “Á Taberna-Pensão (?) bar do Aníbal. Duas “bazucas” cada um...e toca a entregar a carta ao Alferes.
Ainda dizem que não há cunhas!
Se não há, como é que eu só dormi uma noite na base?
Nota: Para as gentes da minha ldeia..."periquito" significa novato, sem experiência, acabado de chegar e, "bazucas" significa garrafas de cerveja de meio litro.
No dia seguinte fui logo transferido para a Messe de Sargentos da FAP – no chamado chão Papel, na mesma rua onde estava situado uma espécie de “boate”...aparentemente decente mas só isso mesmo – aparentemente - já que, nos bastidores, movimentava-se toda uma espécie de “gado-rachado” não abertamente exposto ao público, mas que… existia, existia!
Estamos na Messe da Sargentos da FAP – Bissau!
Foi ali, que eu fiz a minha primeira “mudança de óleo”! Isto é: - o local da mudança do óleo não foi ali mesmo na messe mas lá para os lados da Estrada de Bór – pelo lado de trás da Taberna do Aníbal! Na messe de Sargentos, tive o meu primeiro problema com um dos nossos e exactamente-te a pessoa que eu fui substituir – cabo como eu, que ia de férias.
Ora, eu, ainda ali fresquinho, estando a almoçar com uma garrafa de cinzano cheia de vinho, enquanto os cozinheiros locais a comerem arroz e a beber água...eu, sentindo pena deles, faço sinal a um deles…do género de perguntar se queria um pouco de vinho! Ele disse que sim e…eu, deito um bocado de vinho numa chávena de café para lhe dar! – “Oh diabo que fizeste tu Mário porque… naquele momento, entra o outro e começa a barafustar comigo!
Ameaçou-me – nunca gostei que me ameassem - que ia dizer ao Sargento! Então eu adiantei-me e já ia direitinho ao Sargento quando este aparece. Expliquei que eu não tinha culpa porque o outro não me tinha elucidado sobre as regras em vigor!
Porra… sabia lá eu como eram a regras?
O Sargento apazigua a coisa e ficou-se por ali. Era boa pessoa o Sargento. Bem, ali mesmo, apareceu-me a oportunidade de fazer a minha primeira “mudança de óleo” na Guiné que, foi tão cómico tão cómico…que, o melhor é começar pelo princípio.
Bem, o certo é que, com aquela coisa do vinho, o pessoal local gostou da minha atitude – amiga – e, com o andar do tempo, um deles perguntou-me se eu queria ir “mudar o óleo”!
– “O quê…o qué q’ bó na papeia”? - perguntei eu em crioulo que, o mesmo seria dizer...-"O quê, o que tu estás para aí a dizer? -“Então isso pergunta-se a um esfomeado”?
...continua brevemente.
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